
A entrevista de rua a desconhecidos é um estilo de vídeo que tem se popularizado no tiktok. Desde pessoas querendo saber quanto alguém paga de aluguel, até pessoas pedindo para tirar foto do seu cachorro, ou apenas focando na sua reação a alguma ação absurda praticada por elas, são inúmeras as maneiras através das quais desconhecidos exploram a imagem alheia. Normalmente não vemos a parte do vídeo em que o entrevistador ou influenciador pergunta se pode filmar a pessoa (nós, advogados, esperamos que esse corte exista, viu), que mais do que apenas uma questão de educação, é uma questão importante de direito constitucional aqui no Brasil.
No artigo mais conhecido da Constituição Federal (artigo 5°) podemos encontrar a ampla proteção garantida à imagem em seu inciso “X”, que diz ser invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Esse artigo protege diversos dos nossos direitos fundamentais, e frequentemente há discussões práticas (em processos, mesmo) sobre um desses direitos confrontando outro deles. São diversos os casos, e alguns deles estão descritos na imagem abaixo. O que mais nos interessa agora é o embate entre direito à privacidade e a liberdade de imprensa.
O próprio TikTok incorporou alguns destes direitos às suas normas internas, podendo tal versão ser encontrada na página “Princípios da Comunidade”. Lá, cita-se a liberdade de expressão, assim como a proteção à privacidade individual, e eles mesmos destacam: “(…) a liberdade de expressão não é um direito absoluto - é sempre considerada em relação ao seu dano potencial.”
Mas voltando ao direito em si: se todos são direitos fundamentais e super importantes, garantidos na Constituição, como decidir um embate entre eles? Sempre no caso a caso. (Temos aí mais uma variação do famoso “depende” que todo advogado sempre usa).
Nos casos clássicos de exposição de imagem ou dados pessoais em notícias, desde que a notícia não ofenda a honra e imagem dos que nela figuram, haja apenas informação acerca do fato ocorrido e também o interesse público no acontecido, a justiça tende a decidir a favor da manutenção da liberdade de imprensa.
E no nosso mundo atual e digital, tão moderno e fluido, até onde vai a liberdade de imprensa? Todo mundo pode mesmo ser jornalista (eu, pessoalmente, tenho sérios problemas com a ausência de exigência de diploma pra exercer essa profissão, mas papo pra outra hora)? Tiktokers podem ser considerados porta-vozes da imprensa? Difícil dizer, já que a plataforma nasceu primeiro como rede social, e não como meio de comunicação. A certeza que se põe diante de nós, neste momento, é que não dá pra sair filmando tiktok em lugar público de qualquer maneira e esperar que as pessoas que por ventura apareçam em seu vídeo, concordem com essa aparição.
Há diversas decisões nos tribunais brasileiros que analisaram casos parecidos, onde um tiktoker em um local público filma pessoas comuns com diversos fins. Os casos mais comuns são vídeos de tom humorístico. Nessas decisões, o direito à imagem tem recebido grande proteção: mesmo quando se quer elogiar, quando não há ofensa ou lesão à honra, ou ainda, mesmo se não houver finalidade lucrativa, em todos esses casos, se não há autorização do indivíduo, sua imagem não pode ser utilizada, cabendo indenização caso utilizem.
Sobre esse tema, interessante apontar o item 8 dos termos de serviço do tiktok:
8. Indenização
Você aceita defender, indenizar e isentar de responsabilidade o TikTok, suas controladoras, subsidiárias e afiliadas, e cada um de seus respectivos diretores, conselheiros, empregados, agentes e consultores por todas e quaisquer reclamações, passivos, custos e despesas, incluindo, entre outras, despesas e honorários advocatícios, decorrentes de violação, por você ou qualquer usuário da sua conta, destes Termos, ou resultantes do descumprimento de suas obrigações, declarações e garantias no âmbito destes Termos.
Uma das traduções possíveis a este item é: se o TikTok for condenado a indenizar alguém judicialmente por conta de alguma atitude sua, como, por exemplo, o uso indevido de imagem de terceiros, ele pode te cobrar por isso. Não sou eu que estou dizendo, está escrito no contrato que você assinou (quando você concorda com os termos de uso, mesmo sem ler, você está assinando esse contrato).
Nem sempre a via pública e a liberdade de expressão garantem uma filmagem irrestrita da imagem de terceiros. Nos filmes, por exemplo, até os figurantes são pagos.
Isso quer dizer que você sempre será processado se publicar a imagem de outras pessoas sem autorização? Nem sempre, mas a possibilidade sempre existe. E se for processado, é certo que vai perder? Também não é possível garantir. O que se pode dizer é que, tomando os cuidados necessários e não se valendo da imagem de terceiros sem autorização, você pode tentar ser famoso no TikTok com a consciência tranquila. Pode não parecer importante, mas além das taxas judiciárias e dos honorários do seu advogado, deve-se levar em conta também o custo emocional e reputacional que uma ação judicial terá pra você. São custos muito mais caros do que costumamos imaginar.
Por fim, pretendo dedicar um post exclusivo à toda a incerteza contida no Direito, então, por favor, não se abalem com os “depende”, “provavelmente” e “talvez” que já estão por aqui e os que ainda estão por vir. Pelo contrário, sempre que ouvirem algo como “é garantido”, “com certeza” ou “sem dúvidas” relacionado ao Direito, permaneçam bem atentos.
Antes entender o básico do que permanecer no escuro, né? Para mais discussões simplificadas, sigam por aqui :) e caso queiram sugerir temas específicos, os comentários ficam abertos, estou sempre de olho.